23/4/08

Re: constructivismo

Gustavo,

O conceito de construtivismo se prestou, dos anos 70 até o dia de hoje,
a várias interpretações. Não é, com certeza, o que Piaget elaborou quando
criou o conceito que se percebe em muitas escolas de educação infantil
ou escolas privadas.

Mas, mesmo assim, há algum exagero em sua análise. Vou listar o que me
parece mais relevante:

1) O caráter emancipador da educação é o de construção coletiva da
autonomia. Nada mais que isto. O que já é muito. Autonomia significando
“capacidade de se definir limites” e não como “liberdade total”. Neste
sentido, a construção do saber com participação do educando (a relação
sujeito-objeto passa a ser mais relativizada que no currículo
tradicional proposta por Tyler ou Skinner, por exemplo) é emancipador,
embora nos termos em que estou sugerindo;

2) O centro da proposta curricular em nosso continente nem de longe
foi o construtivismo. É basicamente a concepção tradicional, de tipo
taylorista. Veja as roupas dos estudantes primários. Perceba a
arquitetura das escolas;

3) Todo discurso é de poder ou estaria esvaziado de sentido. Seu
discurso, na mensagem que enviou, é um retrato de como procura
disputar, por exemplo, nesta passagem: “me indigna quando (...)
denigra a cualquier outro saber”. Em que medida o construtivismo
denigre outro discurso? Quem incorreu neste erro? Todos construtivistas?
Veja que o ataque ao construtivismo desqualifica-o permanentemente,
como não-científico. O que dizer dos não-construtivistas que procuram
desqualificá-lo? Diria que são humanos e que as relações sociais são
eminentemente políticos. Devemos procurar não desqualificar o diferente,
mas não me parece lógica acreditar que isto não ocorra. Basta o criticado
responder teoricamente, com fundamento, as acusações e não entrar na
provocação;

4) Gimeno Sacristán, num belo livro sobre o currículo como processo de
produção coletivo, procura demonstrar que o saber pedagógico é uma
construção não linear e absolutamente política. Isto porque é provocado
pelo discurso governamental (regras, normas, leis), perpassa a produção da
indústria editorial, é redefinida em centros acadêmicos e associativos,
transmuta no plano de classe dos professores, é reconstruído nos
debates concretos da sala de aula. Sindicatos, agências estatais, grêmios,
universidade, relação em classes, experiência concreta dos professores,
tudo contribui para fazer este “saber pedagógico” algo muito mais complexo
do que parece em sua mensagem. Se os professores primários “não se fazem
por si mesmos” é também verdade que não são “feito pelo Big Brother”. O
estruturalismo althusseriano já deixou um triste legado que precisamos
superar. Como dizia Edward Thompson sobre Althusser, “o problema é que
no estruturalismo se esquece da experiência humana” (ver A Miséria da
Teoria);

5) Finalmente, a adoção de uma teoria pedagógica não é apenas um ato
de fé. É fé, sim, mas não só. A fé não está na acolhida da teoria, mas
nos pressupostos e valores que fazem o educador acolher tal teoria e não
outra. E aí não me parece possível juntar Bobbit, Tyler, Skinner com Paulo
Freire.Também há que se ter em mente que Dewey não se relaciona com
Freinet. É possível um esforço de união, mas que por certo alterará todos
princípios do autor original;

6) Enfim, se a função da educação é a socialização a partir da construção
da autonomia dos educandos (e não meros resultados de reprodução
de respostas esperadas: o currículo prescritivo das escolas tayloristas
e fordistas de ensino), é fundamental que a autonomia do professor seja
garantida. Não apenas pelas políticas de gestão, mas também como valor
ético. Precisamos acreditar na capacidade intelectual de um trabalhador
intelectual por natureza (que é o professor). E todo sujeito autônomo
faz escolhas. Não se trata de uma mera crença. É uma postura humana.
Os estudiosos de lógica afirmam que a informação é uma mera agregação
de dados da realidade, que passam a ter sentido a partir de uma pergunta.
Mas o conhecimento é um estágio muito superior à informação, porque dá
sentido e classifica as informações (um aluno que apenas acessa
informações, não sabe diferenciá-las, perceber nuanças, divergências e
convergências, autoria).
Mas humanos não têm apenas conhecimento (apesar dos governos acreditarem
que este estágio já seja suficiente para os projetos educacionais).
Eles têm inteligência (de inter + elegere), ou seja, capacidade de decidir.
E a decisão se faz a partir de valores, de crenças. Aí está a escolha
sobre as teorias pedagógicas: são escolhas de intelectuais a partir de suas
crenças.
Podem até elaborar uma nova teoria. Mas sempre a partir de escolhas, de
eleições pessoais, marcadas por um valor. É isto que marca a humanidade.

Rudá Ricci
www.cultiva.org.br
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